Análise: “Reeleição” de Maduro pode desestabilizar continente
Dos países da América do Sul, o que oferece maior risco à democracia na região, hoje, não é a Argentina, com seu presidente anarco-liberal Javier Milei, em razão de uma sociedade civil e estrutura política mais robusta, mas a Venezuela de Nicolás Maduro, que caminha no rumo de um regime autocrático nacionalista controlado por militares, com uma sociedade completamente desestruturada, cujos aliados estratégicos são Cuba, Rússia, China, Irã e Coreia do Norte.
O elo perdido com o Ocidente será a manutenção de Maduro no poder, por meio de uma fraude eleitoral já escancarada ou, caso isso não seja possível, um golpe de Estado. Não se pode falar em democracia plena na Venezuela com o sucessor de Hugo Chávez no poder. Para o Brasil, legitimá-lo com o conceito de “democracia relativa” será um grave erro. A democracia é um valor universal, ainda que a boa convivência com os vizinhos e a prioridade aos nossos próprios interesses econômicos, que são pilares da nossa política externa, venham a ser invocados nesse contexto.
As eleições de domingo na Venezuela estão recebendo crescente atenção do Ocidente, principalmente dos países vizinhos, dos Estados Unidos e da União Europeia (UE). A situaçao da Venezuela é um desastre econômico e social e uma ameaça à estabilidade política na América do Sul, em razão da militarização do governo e a declarada intenção de ocupar a província petrolífera de Essequibo, na Guiana — que, inclusive, já consta do mapa oficial da Venezuela.
Entre o primeiro dia de governo de Maduro, em 19 de abril de 2013, e o próximo domingo, a Venezuela desceu ladeira abaixo, em todos os aspectos. Herdeiro político de Chávez, que implantou o regime bolivariano, Maduro sonha com um país impossível nas condições atuais. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 75% entre 2013 e 2021. Apesar da queda dos preços do petróleo, Maduro não reduziu os gastos públicos e perdeu muitos mercados no Ocidente, principalmente após as sanções financeiras dos EUA, que proibiram as emissões de dívida e obrigações em 2017, o que gerou um deficit público inadministrável.
Em dezembro daquele ano, a inflação oficial mensal subiu para 55,6% — ou seja, chegou às portas da hiperinflação. Como na Argentina, a perda do poder de compra do bolívar, a moeda local, levou à dolarização da economia. Do ponto de vista social, o abastecimento foi completamente desorganizado e a economia entrou em colapso. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 7,7 milhões de venezuelanos se tornaram refugiados, de uma população de 30 milhões de habitantes.
O país somente saiu da hiperinflação em dezembro de 2021, quando completou 12 meses com uma variação mensal inferior a 50%. Foi a bastante para uma visão ufanista de Maduro. A narrativa de seu projeto de reeleição é alavancada por uma taxa de crescimento do PIB venezuelano de 5%, em 2023. Estima-se que cresça 4% este ano, mas apenas em 25% das atividades produtivas, as do petróleo.
O Inquérito às Condições de Vida (Encovi), elaborado por três universidades, em 2020, constatou que a Venezuela hoje é um dos países mais pobres do planeta. Apenas 4% da população não se enquadram na “pobreza de rendimento”, a nova elite local; 54% dos venezuelanos se encaixam na “pobreza recente” (54%) e outros 41%, na pobreza crônica. Entre novembro de 2019 e dezembro de 2020, 79,3% dos venezuelanos não tinham recursos para a cesta básica. Hoje, a pobreza multidimensional registada pelo Encovi — que inclui condições como habitação, serviços públicos, proteção social, trabalho e educação — atinge 51,9% da população.
Para tentar a reeleição, Maduro anunciou um aumento do “rendimento mínimo abrangente” para cerca de US$ 130, em bolívares. O valor é a soma entre o salário mínimo e um bônus que nem todos os trabalhadores recebem. Os sindicatos rejeitaram a proposta e exigem um aumento para US$ 200. Com uma renda mínima de US$ 130, a Venezuela ocupa o último lugar na América do Sul.
Maduro fala de desenvolvimento econômico, meio ambiente, direitos humanos e melhoria da qualidade de vida, mas essa é uma agenda do candidato de oposição, Edmundo González Urrutia, o ex-diplomata que lidera a corrida presidencial com mais de 50% das intenções de voto.
Do ponto de vista geopolítico, uma vitoria fraudada ou um golpe de Maduro somente terão sustentação se houver apoio efetivo de seus aliados, principalmente a Rússia e a China, em razão da inevitável ampliação das sanções ocidentais. Como esse apoio passará também pelo aumento da capacidade bélica da Venezuela, a consequência direta será uma corrida armamentista na região, ampliação da presença militar dos EUA na Amazônia e a militarizaçao do Atlântico Sul. É uma situação que não interessa ao Brasil.
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