Quem ganha e quem perde com a queda dos preços do petróleo
Os preços do crude caíram 25 dólares, ou mais de 20%, desde meados de Junho, o que levanta numerosas questões. Os preços podem descer ainda mais? Se inverterem a tendência, em que nível irão estabilizar? Há alguma possibilidade de a Arábia Saudita e a OPEP decidirem que é necessário reduzir a produção no encontro agendado para Novembro? A produção de gás de xisto nos EUA pode ser afectada – e com que gravidade – a partir de que nível de preços?
Uma coisa é certa: há quem ganhe e quem perca com os actuais preços baixos. Entre os perdedores contam-se os produtores, os países e os governos. Se o Brent cair para 90 dólares (70 euros), os países da OPEP poderão perder cerca de 200 mil milhões do bilião de dólares (ou 157 mil milhões dos 784 mil milhões de euros) que encaixaram recentemente, comprometendo não só a sua capacidade de cobrir o aumento dos orçamentos no pós Primavera Árabe como também a capacidade de servir a dívida sem incorrer em incumprimento. Se os preços caírem ainda mais nos EUA, então, será preciso cortar nos gastos de capital para expandir a produção, o que vai, inevitavelmente, desacelerar a chamada “revolução do xisto”.
Os preços caíram a pique por várias razões: o sentimento e os fundamentais do mercado tiveram alguma importância, mas o factor que mais pesou nesta equação foi a conjuntura geopolítica. Com efeito, o preço médio do barril de Brent tem rondado os 110 dólares (86 euros) desde que a ruptura na produção líbia retirou um milhão de barris por dia dos mercados. Apesar de a Arábia Saudita ter reforçado a produção em 2011, o Brent era negociado 25 dólares/barril acima dos valores anteriores à ruptura de produção na Líbia. Os sauditas só não conseguiram baixar os preços porque se tratava de Light Sweet (CL), isto é, crude de melhor qualidade e bastante líquido, que as refinarias não podiam substituir por petróleo mais concentrado.
Além disso, a economia mundial foi submetida ao equivalente a um gigantesco programa de ‘quantitative easing’ para estimular o crescimento económico. A queda nos preços iria gerar ganhos inesperados no valor de 1,8 mil milhões de dólares/dia (1,4 mil milhões de euros). Ora, se aplicarmos isto aos preços da gasolina nos EUA, onde cada família gastou aproximadamente 2.900 dólares (2.271 euros) no ano passado, os ganhos inesperados traduzir-se-iam num reembolso de imposto ligeiramente abaixo dos 600 dólares (470 euros) por família. Esta situação teria um impacto positivo na poupança dos consumidores globais e dos países da OPEP em particular, onde já é habitual pagar pouco pelos combustíveis.
A partir de 2011, duas tendências distintas começaram a ganhar forma. A primeira tem a ver com os problemas políticos e sociais que os países exportadores de petróleo têm enfrentado. Antes de Fevereiro de 2011, apenas 400 mil barris/dia não chegavam ao mercado devido a rupturas na produção. Desde então, há momentos em que as perturbações podem ser superiores a 3,5 milhões de barris/dia, incluindo as sanções ao petróleo iraniano e ao crude da Nigéria, Sudão, Síria e Iémen, para citar apenas alguns exemplos que têm contribuído para a tensão geopolítica. A segunda tendência está directamente ligada ao enorme crescimento da produção petrolífera nos EUA. Os custos de produção e de ‘break-even’ têm vindo a diminuir todos os anos para níveis inferiores a 75 dólares (59 euros) por barril.
Um dos dilemas que a OPEP enfrenta prende-se com o choque de interesses entre os produtores de crude ‘sour’ (com uma percentagem de enxofre superior a 0,5%), médio e ‘heavy’ (de menor qualidade) do Golfo e os produtores de crude ‘light’ (com baixo teor de enxofre) dos países da África Ocidental e do Norte. O crescimento da produção norte-americana, por sua vez, deve-se essencialmente ao crude ‘light’ e ‘sweet’ (em que a percentagem de enxofre é inferior a 0,5%). Como os EUA inundaram o mercado global com estes tipos de petróleo, nenhum corte na produção saudita ou doutros produtores da OPEP vai corrigir o excesso de oferta de crude ‘light’ no mercado.
A isto somam-se outros fundamentais. A economia global está fragilizada e a procura de petróleo aumenta a um ritmo inferior a 1 milhão de barris/dia. Se a actividade económica e a procura crescerem em 2015, isso quer dizer que haverá um excesso de 1 milhão de barris/dia e que o impacto nos preços será bastante grande, salvo se os países da OPEP reduzirem a produção. Os riscos políticos também pendem mais para o lado ‘bear’ do que para o lado ‘bull’, pelo menos no curto prazo. Se houver acordo sobre o programa nuclear iraniano ou se a produção líbia continuar a aumentar teremos mais petróleo no mercado.
Por último, a fragilidade dos preços do petróleo deu aso a uma série de teorias da conspiração com base no desconto que a Arábia Saudita terá feito aos seus clientes no continente asiático, entretanto igualados pelos produtores do Irão, Iraque e outros países do Médio Oriente. Segundo as declarações dos líderes sauditas, a produção americana será afectada se os preços descerem abaixo dos 90 dólares (70 euros). Se o barril de Brent estabilizar neste valor em 2015, o diferencial entre o Brent e o WTI vai aumentar e, consequentemente, fazer descer o preço do WTI para menos de 75 dólares (59 euros) por barril.
Mas será que estes rumores são verdadeiros? Só o tempo e a reunião de Novembro da OPEP o dirão. Mas é possível que, se os preços continuarem a cair, os produtores norte-americanos mostrem maior resiliência do que o esperado.
Fonte: Sapo Economico